sexta-feira, novembro 29, 2024

irene reyes-noguerol


Carta a Theo
 
Daría todo en la vida por tener algo infinito,
algo profundo, algo real.
Vincent van Gogh
 
Pero cuando la noche se me viene encima no hay nada que hacer, Theo, nada, porque con las sombras desaparecen los colores, las formas, las texturas, se me escapa lo que a la luz parecía bueno y bello, me vuelve la espalda el mundo que era otro de día, y entonces no hay más que penumbra, sí, digo penumbra y no oscuridad porque solo entre tinieblas se percibe lo perdido, se pueden palpar los contornos de lo que me han quitado, caminar a tientas recordando matices y tonos que ya no valen, que ya no están, alguien o algo les arrebató el brillo sin aviso, y ahora todo es Gris, el dormitorio, el comedor, los cipreses, una gama de grises a través de los campos de trigo, a lo largo de los caminos perfumados de lavanda, Gris y no Negro porque solo el primero es el color de la nostalgia, no el Azul, como creen los ingenuos o los cuerdos, que al fin y al cabo son lo mismo, solo el Gris expresa esa pena larga y sin aspavientos que es la melancolía, una angustia que se agarra sin dedos a las paredes del cuerpo, que anida en la cabeza,
el pecho, el vientre, lo contamina todo como un intruso al que no hemos dado permiso, y siempre es peor que el Negro, que la ceguera absoluta, porque al vacío no hay preguntas que hacerle, el silencio no admite dudas, es la ausencia en sí mismo, y sin embargo el Gris es el terreno de lo móvil, del cambio, y justo por eso permite que uno añore lo que le falta, está tan a camino entre lo claro y lo oscuro que es inevitable buscar entre sus brumas, puedo ver na medias lo que me han robado, solo en el Gris hay un punto de encuentro entre lo pasado y lo presente, solo en él, no en los colores puros, no en la certeza del Blanco o el Negro, no en la pasión de Verdes o Amarillos, solo en el Gris que me persigue y me espanta y de vez en cuando me hace gritar como un loco, Theo, un loco como todos los demás de este sanatorio del sur, sin más peculiaridad que la de ser un loco que pinta, a veces dos cuadros al día y otras ni uno en meses, cuando se me deforma el mundo no hay ni un bosquejo que valga, se me secan las ideas, me pasmo ante lienzos en blanco que no podré rellenar aunque quiera, pero a ti no tengo que explicártelo, ya lo sabes, no hay necesidad de insistir y a pesar de todo lo hago, porque de alguna manera escribirlo me ayuda a comprenderlo un poco, a convencerme de que lo controlo, aunque sepa que no es posible y que antes o después la noche se me vendrá encima, y de nada valdrán mis teorías ni mis cartas, inútiles las palabras si la razón se esfuma de repente, de un momento a otro dejaré de sentir mis manos como propias, las veré como miembros ajenos que alguien me ha cosido al cuerpo, divi-dido, par-ti-do en dos, pero no roto todavía y entonces llegará el horror, Theo, porque así es como siempre empieza, las palmas y los dedos y las uñas que son mías pasarán a ser de otro, dejaré de reconocerlas, dejaré de reconocerme durante etapas que pueden abarcar minutos o semanas, no hay punto medio, y eso es lo peor, saber que cuando comience nadie me podrá asegurar dónde está el límite, esta locura como un potro que quiere probar sus fuerzas, este miedo a dejar de ser, a caer en los abismos a los que me asomo cada vez con más frecuencia, y me dan miedo, Theo, un miedo como el de un niño que se esconde tras las faldas de su madre, un miedo total, absoluto, atroz como esos fantasmas que esperan bajo la cama, una parálisis tan completa que duele hasta respirar y no admite razonamientos ni lógica, la angustia de convertirme en otro que tiene mi voz y mi nariz y mi boca como partes de una marioneta que no manejo, las muñecas y los codos movidos por hilos invisibles, las piernas que caminan cuando no deben, las manos, siempre las manos que sirven para crear pero también para romper, desgarrar, destruir, la voluntad de un dios en el cuerpo de un loco, estas manos que igual sujetan pinceles que navajas, pintan sobre la piel como sobre un lienzo, hunden un filo que dibuja formas de plata, cortancortancortan hasta alcanzar la sangre, esbozan la forma de una oreja, la separan de tajo en tajo, y luego la conciencia se irá haciendo pequeña hasta ocupar, encogida, solo un rincón de la memoria, una esquina de esta cabeza que da vueltas, y sentiré que el otroyo ve y huele y toca por mí, como si esteyo estuviera hecho de corcho, separado del mundo por una pantalla, un espejo, aislado en una barca que navega sin remos, a la deriva la mente del loco que va dejando de ser, extraviada
 
 
 
 
 
Carta a Theo
 
Daria tudo na vida para ter algo infinito,
algo profundo, algo real.
Vincent van Gogh
 
 
Mas quando a noite vem para cima de mim não há nada a fazer, Theo, nada, porque com as sombras desaparecem as cores, as formas, as texturas, escapa-me o que à luz parecia bom e belo, volta-me as costas o mundo que era outro de dia, e então apenas está penumbra, sim, digo penumbra e não escuridão porque só entre trevas se percebe o perdido, podem-se apalpar os contornos do que me tiraram, andar a tatear lembrando matizes e tons que já não contam, que já não estão, alguém ou algo lhes tirou o brilho sem aviso, e agora está tudo cinza, o quarto, a sala de jantar, os ciprestes, uma gama de cinzentos através dos campos de trigo, ao longo das estradas perfumadas de lavanda, Cinza e não Preto porque só o primeiro é a cor da nostalgia, não o azul, como acreditam os ingênuos ou os normais, que ao fim e ao cabo são a mesma coisa, só o Cinza expressa aquela pena longa e sem alarde que é a melancolia, uma angústia que se agarra sem dedos às paredes do corpo, que aninha na cabeça,no peito, no ventre, contamina tudo como um intruso a quem não demos permissão, e é sempre pior do que o Negro, que a cegueira absoluta, porque no vazio não há perguntas para lhe fazer, o silêncio não admite dúvidas, é a ausência em si mesmo, e no entanto o Cinza é o terreno do móvel, da mudança, e justamente por isso permite que uma pessoa deseje o que lhe falta, está tão a caminho entre o claro e o escuro que é inevitável procurar entre as suas brumas, posso ver em média o que me roubaram, só no Cinza há um ponto de encontro entre o passado e o presente, só nele, não nas cores puras, não na certeza do Branco ou do Preto, não na paixão de Verdes ou Amarelos, só no Cinza que me persegue e me assusta e de vez em quando me faz gritar como um louco, Theo, um louco como todos os outros deste sanatório do sul, sem mais peculiaridade do que ser um louco que pinta, às vezes dois quadros por dia e outros nem um durante meses, quando o mundo dá cabo de mim não há um esboço que valha a pena, as minhas ideias secam, fico pasmado diante de telas em branco que não poderei preencher mesmo que queira, mas a ti não preciso de explicar, já sabes, não há necessidade de insistir e apesar de tudo explico, porque de alguma forma escrever ajuda-me a entender um pouco, a convencer-me de que tenho controle, ainda que saiba que não é possível e que cedo ou tarde a noite virá para cima de mim e de nada valerão as minhas teorias nem as minhas cartas, inúteis as palavras se a razão se esfuma de repente, de um momento para o outro deixarei de sentir as minhas mãos como próprias, vê-las-ei como membros alheios que alguém me costurou ao corpo, divi-dido, par-ti-do em dois, mas ainda não quebrado e então chegará o horror, Theo, porque é assim que sempre começa, as palmas e os dedos e as unhas que são minhas passarão a ser de outro, deixarei de as reconhecer, deixarei de me reconhecer por etapas que podem abranger minutos ou semanas, não há meio termo, e isso é o pior, saber que quando isto começar ninguém me poderá garantir onde está o limite, esta loucura como um potro que quer experimentar suas forças, este medo de deixar de ser, de cair nos abismos para que olho cada vez mais frequentemente, e me metem medo, Theo, um medo como o de uma criança que se esconde atrás das saias da mãe, um medo total, absoluto, atroz como esses fantasmas que esperam debaixo da cama, uma paralisia tão completa que dói até respirar e não admite raciocínios nem lógica, a angústia de me converter num outro que tem a minha voz e meu nariz e a minha boca como partes de uma marionete que não manuseio, os pulsos e os cotovelos movidos por fios invisíveis, as pernas que caminham quando não devem, as mãos, sempre as mãos que servem para criar mas também para partir, rasgar, destruir, a vontade de um deus no corpo de um louco, estas mãos que tanto seguram pincéis como navalhas, pintam sobre a pele como sobre uma tela, afundam uma lâmina que desenha formas de prata, cortancortantancortan até alcançar o sangue, esboçam a forma de uma orelha, separam-na de corte em corte, e então a consciência tornar-se-á pequena até ocupar, encolhida, apenas um recanto da memória, um recanto desta cabeça que gira, e sentirei que o outroeu vê e cheira e toca para mim, como se esteeu estivesse feito de cortiça, separado do mundo por uma tela, um espelho, isolado num barco que navega sem remos, à deriva a mente do louco que vai deixando de ser, extraviada