sexta-feira, janeiro 17, 2025

ángela martínez fernández


Hay un huracán en el centro del salón. Vomito sobre la mesa y saco mis demonios ante la mirada atenta del perro. Tengo veneno en las comisuras, anoche no debí decírtelo, pero la oscuridad nos vuelve mansos y una caricia tiene potencial revolucionario cuando sabes cómo tocar a otra persona. Están robándole años de vida a mi madre las pastillas que le dieron en la seguridad social. ‘Destroy the system, they can detect your feminism’. Si no estuviéramos tan enfermos de competencia, podríamos usar la literatura como un repositorio de voces diferentes donde la mujer ecuatoriana que cuida de tu abuelo tuviese derecho a un discurso público.
 

 
 
Está um furacão no centro da sala. Vomito na mesa e tiro os meus demónios perante o olhar atento do cão. Tenho veneno nos cantos da boca, ontem à noite não devia ter-te dito isso, mas o escuro torna-nos mansos e uma carícia tem potencial revolucionário quando se sabe como tocar outra pessoa. Estão a roubar anos de vida à minha mãe os comprimidos que lhe deram na segurança social. 'Destroy the system, they can detect your feminism'. Se não estivéssemos tão doentes de competência, usaríamos a literatura como um repositório de vozes diferentes em que a mulher equatoriana que cuida do teu avô teria direito a um discurso público.


quinta-feira, janeiro 16, 2025

daniela ema aguinsky


Tareas del hogar
 
Al último que le lavé los platos
desapareció una mañana
luego de otra noche abrazados.
Sin saber que nunca más
lo vería, me quedé
haciendo de su casa
un lugar más agradable
para estar de a dos.
 
Ahora
mientras miro fijo tu colador metálico
impregnado de harina del día anterior
después de que amasaras
un pan de ajo esponjoso
apenas tostado en la base
después de haber separado y estirado
del bollo de los días
unas pocas horas para nosotros
y de que te fueras perfumado a la oficina
me debato
entre lavar la pila de utensilios grumosos
que descansan en tu cocina
o desentenderme por completo
cepillarme los dientes y salir.
 
 
 
 
Tarefas domésticas
 
O último a quem lavei a louça
desapareceu uma manhã
depois de outra noite abraçados.
Sem saber que nunca mais
o veria, eu fiquei
a fazer da sua casa
um lugar mais agradável
para estar a dois.
 
Agora
enquanto olho fixamente o teu filtro de metal
impregnado com farinha do dia anterior
depois de amassares
um pão de alho fofo
meio torrado na base
depois de ter separado e esticado
do bolo dos dias
algumas horas para nós
e de teres saído perfumado para o gabinete
debato-me
entre lavar a pilha de utensílios grumosos
que descansam na tua cozinha
ou borrifar-me completamente
escovar os dentes e sair.
 

quarta-feira, janeiro 15, 2025

michelle grangaud


Mon portrait en zèbre
 
Le zèbre est un animal peu commun.
Ne pas me confondre avec le zabre, qui est un parasite des céréales s’attaquant
de nuit aux cultures, à la différence du zèbre, qui ne s’attaque aux cultures
que de jour.
La confiance est un aspect.
Les jardins potagers sont faits pour les légumes.
Le corps se compose d’une tête et de quatre membres rattachés au tronc par articulation.
L’articulation permet de changer de place. Il y a aussi des déplacements à l’intérieur
du corps.
Les animaux appartiennent à différentes espèces.
L’aspect prive d’un pouvoir de sécrétion.
Le zébu est lui aussi un animal peu commun. Il porte une bosse graisseuse sur le garrot.
Il n’a pourtant pas connu la même fortune que moi, le zèbre.
La sécrétion forme une figure.
Je dis toujours moi et je me sens être moi. La préférence que je nourris pour moi-même
n’est pas totalement exclusive, mais ellee reste très largement dominante.
Il y a certainement des raisons à ce choix.
Le corps est doué de mobilité.
La figure sert à la couture.
Un zèbre est fait pour la course.
Quand on court, le souffle devient court et précipité, le cœur bat plus fort, on peut
éprouver une suffocation.
La couture constitue une communauté.
L’initiale du mot zèbre suggère l’idée que le mouvement s’opère le plus souvent
en lignes brisées. Car un mouvement continu en ligne droite s’en irait à l’infini,
ce qui est beaucoup trop loin. Sagement, le zèbre ne circule qu’à l’intérieur
de ses propres limites.
La communauté montre du goût pour la communication.
Cependant, comme l’animal n’est pas complètement borné, il garde un œil tourné
vers l’horizon.
 
 
 
 
Retrato de mim enquanto zebra
 
A zebra é um animal pouco comum.
Não me confundir com o zabro, que é um parasita dos cereais atacando de noite as culturas, ao contrário da zebra, que ataca as culturas
apenas durante o dia.
A confiança é um aspecto.
As hortas do pátio estão para vegetais.
O corpo é composto por uma cabeça e quatro membros vinculados ao tronco pela articulação.
A articulação permite mudar de lugar. Há também movimentos no interior
do corpo.
Os animais pertencem a diferentes espécies.
O aspecto esconde um poder de secreção.
O zebu é, ele também, um animal pouco comum. Tem um inchaço gorduroso no arnês.
Não teve porém a mesma sorte que eu, a zebra.
A secreção forma uma figura.
Digo sempre eu e sinto-me ser eu. A preferência que alimento para mim mesmo
não é totalmente exclusiva, mas permanece amplamente dominante.
Certamente há razões para esta escolha.
O corpo é dotado de mobilidade.
A figura é usada para a costura.
Uma zebra é feita para a corrida.
Quando se corre, a respiração torna-se curta e apressada, o coração bate mais forte, pode-se
vivenciar uma asfixia.
A costura constitui uma comunidade.
A inicial da palavra zebra sugere a ideia de que o movimento ocorre com mais frequência
em linhas quebradas. Porque um movimento contínuo em linha reta iria para o infinito,
o que é muito longe. Sabiamente, a zebra só circula dentro
dos seus próprios limites.
A comunidade mostra gosto pela comunicação.
No entanto, como o animal não é completamente limitado, mantém um olho virado
para o horizonte.
 

terça-feira, janeiro 14, 2025

sally wen mao


Nucleation
 
The harvesting of pearls, the very process, is a continuous systematic violation of flesh: insert the mantle tissue of a foreign creature into the oyster shell and wait for its insides to react. This is called nucleation. Panicked, the oyster​​ produces nacre. Trapped in the nacre, the invasive agent—the parasite or mantle tissue—is subsumed by the pearl.
 
To domesticate, then, is to force-feed. Mikimoto, in his dreams, wanted a string of pearls to glow around the neck of every woman in the world. Like the bioluminescent waters of his youth, a deep-sea dive, the pearls became warm upon touch, upon being worn.
 
Women wear the trauma of other creatures around their necks, in an attempt Adorn the self on their own. Adorn the self to be adored. What if we fail? What if we are failures at love? A man once called me “adorable” on a date at a museum. It was hailing outside, and we were wandering through the Death and Transcendence wing. I looked into a woman’s tomb, its mother-of-pearl inlays. A limp body looked back, into the gap around my neck. I had no amulet, I had no protection.
 
 

 
 
Nucleação
 
A apanha de pérolas, o próprio processo, é uma violação sistemática e contínua da carne: o tecido do manto de uma criatura estranha é inserido na concha da ostra e espera-se que o seu interior reaja. A isso chama-se nucleação. Capturada pelo pânico, a ostra produz nácar. Encurralado na madrepérola, o agente invasor - o parasita ou tecido do manto - é absorvido pela pérola.
 
Domesticar, então, é alimentar a força. Mikimoto, nos seus sonhos, queria um colar de pérolas que brilhasse à volta do pescoço de todas as mulheres do mundo. Tal como as águas bioluminescentes da sua juventude, uma imersão nas profundezas do mar, as pérolas ao serem usadas, aquecem com o toque.
 
As mulheres vestem o trauma de outras criaturas à volta dos seus pescoços, na tentativa de adornar o próprio eu. Adornar o eu para ser adorado. E se fracassarmos? E se fracassarmos no amor?Um homem uma vez apelidou-me de "adorável" num encontro num museu. Granizava lá fora, e vagueávamos pela ala da Morte e da Transcendência. Olhei para dentro de uma tumba de mulher, para as suas incrustações de madrepérola. Um corpo inerte, em resposta, olhou para trás, para a falha à volta do meu pescoço. Eu não tinha amuleto, eu não tinha proteção.
 

segunda-feira, janeiro 13, 2025

elisa díaz castelo


Segunda consulta
 
Los síntomas son los mismos, pero el dolor es otro. Los doctores son pálidos y apenas. Les digo que puse el corazón a hervir y todavía, les digo que, sin sangre, el corazón es blanco. Ellos hacen una mueca y me dicen que no creen en las metáforas y esa palabra es anticuada y por qué repetirla. Se impacientan. Cacofonías, dicen. No puedo recordar la sombra de nuestra hambre, la vida subterránea de las espigas. La paciente no está ubicada en tiempo ni espacio. Trato de convencerlos. Mi voz es un perro que lame las piedras resbalosas de los ríos. Gradúo mi dolor del uno al diez y lo describo. Es punzante, es sordo, es sostenido. El cuerpo: esta sorprendente bolsa de cuero. A veces es casi el fin del mundo. Les pido que me lo devuelvan. La paciente no tiene claros los límites entre volar y caer. Se realizo radiografía torácica, la paciente no está en ningún sitio. Me preguntan: Cuándo puede volver. Puede volver, preguntan.
 
 
 
 
Segunda consulta
 
Os sintomas são os mesmos, mas a dor é outra. Os médicos estão pálidos e mal. Digo-lhes que pus o coração a ferver e ainda, digo-lhes que, sem sangue, o coração é branco. Eles fazem uma careta e dizem-me que não acreditam em metáforas, que essa palavra é antiquada, para quê repeti-la. Ficam impacientes. Cacofonias, dizem. Não me consigo lembrar da sombra da nossa fome, da vida subterrânea das espigas. A paciente não está radicada no tempo nem no espaço. Tento convencê-los. A minha voz é um cão que lambe as pedras escorregadias dos rios. Graduo a minha dor de um a dez e descrevo-a. É pungente, é surda, é permanente. O corpo: esta surpreendente bolsa de couro. Às vezes é quase o fim do mundo. Peço que mo devolvam. A paciente não vê vom nitidez os limites entre voar e cair. Fez-se  radiografia torácica, a paciente não está em nenhum lugar. Perguntam-me: Quando pode voltar. Pode voltar, perguntam.
 

domingo, janeiro 12, 2025

angela marinescu


Fuga postmodernă III

Am intrat pe ușa din dos a poeziei
cu un surâs stingher.
îmi ieșeau de sub fustă, ca niște zdrențe,
marile teme, cum ar fi boala.
boala îmi dădea târcoale de mult timp și s‑a cuibărit
în plămânii mei și în sufletul meu.
plămânii și sufletul îmi sunt bolnave.
scuipam sânge pe pereții casei, împroșcam
cu nori de sânge ferestrele
și eu voiam să intru cu forța în grădina ta.
îmi alunecau prin vene șerpii teutonici
ai bacilului mâncător de țesut pulmonar
iar eu te doream cutremurată de ochii morții
din ochii mei.
ai putea să încerci să risipești îndoiala din sufletul
meu ca pe o mică trăsură de aur
în care stă închisă regina sufletului tău?
ar putea această trăsură să alunece lin prin fața mea
tocmai când cerul se întunecă și fulgeră ca un apucat?
Doamne, trec acum peste orice îngăduință
peste orice lege și chiar peste
tremurul fix din ochiul tău cel stâng
atunci când ți‑l închizi pe cel drept
cu o voluptate fără seamăn.
trec peste tine. trec și trec.
de ce aș mai ține socoteală de tine dacă și așa
se spune că ești o mare absență?
dar absența asta vine ca o oaie, ca o turmă de oi,
ca un tren plin de animale prinse între plăci
mari de pietre
și se aruncă, numai o dată, la picioarele mele.
Doamne, câtă plăcere când oaia se lasă pe burtă
și își freacă burta de picioarele mele.
pe ușa din dos a poeziei mi‑am agățat coronițe
din flori mirositoare
și piei de animale tari, jupuite. mi‑am împodobit
cum am putut această ușă
am uns‑o cu un lac adânc și mi‑am întocmit
un sistem de oglinzi
prin care capul meu pare desprins de corp și stă,
așa, cu ochii holbați,
deasupra canatului de sus al ușii.
mi‑a încremenit capul deasupra ușii lăcuite
cu un lac adânc.
mi‑a încremenit sângele în cap.
mi‑a încremenit ochiul cât am privit.
mi‑a încremenit mâna cât am lucrat.
mi‑a încremenit poezia.
dacă poezie este, atunci tu stai cu sabia
deasupra capului meu încremenit,
cu ochii holbați și încremeniți și cu gura încremenită.
lumina se strecoară pe sub pragul ușii, vine,
se adună și așa răcnește; orice ai face
și oricât ai fugi și oricât ai căuta tu ești o idioată
(metafizică) ce suferă intens.
tu vrei să nu mai scrii tu vrei doar să fii,
dar, tocmai de aceea, îți spun, trebuie să scrii
ca să fii și să fii ca să scrii
tu ești trăsurica de aur ce s‑a oprit în dreptul ușii
mele înmărmurite.
tu ești fața de masă de lână strălucitoare, neagră,
plină de ciucuri,
din camera mijlocie. tu ești casa din interiorul ușii.
și în interiorul ușii stau eu.
sau în interiorul meu stă ușa.
stă proptită pe amândouă picioarele, depărtate,
cu o armă în mână.
stă sigură pe ea și ea stă pe mine.
așa gândeam în timp ce capul încremenit
se holba înăuntru.
 
 



Fuga pos-moderna III
 
Entrei na poesia pela porta do cavalo
com sorriso solitário.
por baixo da minha saia saíam, como trapos,
os grandes temas, como a doença.
Há muito tempo que era rondada pela doença que se tinha abrigado
nos meus pulmões e na minha alma.
os meus pulmões e a minha alma estão doentes.
cuspia sangue nas paredes da casa, salpicava
as janelas com nuvens de sangue
e queria entrar à força no teu jardim.
pelas minhas veias escorregavam os vermes teutónicos
do bacilo devorador de tecido pulmonar
mas eu desejava-te e estremecia nos meus próprios olhos
diante dos olhos da morte.
podias tentar dissipar a dúvida que há na minha alma
como se fosse uma pequena carroça de ouro
que põe em cativeiro a rainha da tua alma?
podia deslizar esta carroça na minha frente
no momento em que o céu escurece e, enlouquecido, solta  relâmpagos?
Senhor, agora passo por cima de qualquer indulgência
qualquer lei e até mesmo
o tremor fixo no teu olho esquerdo
quando fechas o olho direito
com uma voluptuosidade sem igual.
passo por cima de ti. passo e passo.
para quê ter-te em consideração se até
dizem que és uma grande ausência?
mas esta ausência chega como uma ovelha, como um rebanho de ovelhas,
como um comboio cheio de animais presos entre placas
grandes pedras
e lança-se, só uma vez, aos meus pés.
Senhor, que prazer quando a ovelha se deixa cair sobre a barriga
e a esfrega nas minhas pernas.
na porta do cavalo da poesia pendurei diademas
de flores perfumadas
e peles de animais rijos, esfolados. enfeitei
como pude essa porta
untei-a com um lago profundo e fabriquei
um sistema de espelhos
em que a minha cabeça parece estar separada do corpo e está,
assim, com os olhos desorbitados,
por cima da porta.
petrificou-se-me a cabeça sobre a porta envernizada
com um lago profundo.
petrificou-se-me o sangue na cabeça.
petrificou-se-me o olho enquanto olhava.
petrificou-se-me a mão enquanto trabalhava.
petrificou-se-me a poesia.
se há poesia, então a tua espada pende
sobre a minha cabeça petrificada,
com os olhos desorbitados e petrificados e com a boca petrificada.
a luz desliza por baixo da porta, vem,
junta-se e ruge assim; faças o que fizeres
por mais que fujas, por mais que procures, és uma idiota
 (metafísica) que sofre intensamente.
queres deixar de escrever, queres ser, nada mais,
mas, precisamente por isso, digo-te, tens que escrever
para ser e ser para escrever.
és a carroça de ouro parada à minha porta
petrificada.
és o manto brilhante, preto,
com borlas,
do quarto do meio. és a casa dentro da porta.
e dentro da porta, estou eu.
ou, dentro de mim, está a porta.
está pregada, bem aberta de pernas,
com uma arma na mão.
está bem segura de si mesma e sustenta-se em mim.
foi o que pensei enquanto, petrificada, a cabeça
olhava embevecida para dentro.